Publicado em 20 jun 2025 • por Paula Maciulevicius de Oliveira Brasil •
Por trás das grades do Instituto Penal de Campo Grande, onde a liberdade fica restrita ao concreto e à rotina, uma rede de vôlei se arma, e nela, por uma tarde, a bola que cruza de um lado ao outro da quadra leva junto esperança, resistência e vida.
Na terceira edição do Torneio de Vôlei da Diversidade, promovido pela Secretaria de Estado da Cidadania, por meio da Subsecretaria de Políticas Públicas para População LGBTQIA+, a iniciativa feita em parceria com a Agepen tirou a comunidade da ala para celebrar o Mês do Orgulho LGBTQIA+, no último dia 11 de junho.
O torneio teve direito à arbitragem e certificação para a equipe vencedora. Seguindo chaveamento elaborado pela FEEMS (Federação Escolar de Esporte de Mato Grosso do Sul), foram cinco times compostos por mulheres trans, gays e seus companheiros. Na atividade, as únicas regras estabelecidas foram de não tocar na rede, seguir rodízio 6×0 e não pisar na linha ao efetuar ação de saque. Determinações pensadas para que a atividade esportiva fosse lúdica, a fim de levar movimento e apresentar o esporte à comunidade.

Capitã do time campeão, uma das internas segura firme a voz e o orgulho ao dizer que o torneio representa tudo. “Um momento de distração, de viver, de sair da cadeia por um instante. Essa vitória é de resistência, e a gente está aqui mostrando que é forte. As travestis, as gays, as trans estão sendo representadas aqui dentro, como a gente é lá fora”, conta.
O sentimento é compartilhado por outra trans, de 35 anos, que vê no respiro fora da ala uma liberdade de alma. “A gente sabe que está preso, mas tem uma parte da gente que precisa respirar. Aqui dentro, o sol também é limitado, é um quadrado de cimento onde a gente aproveita pra lavar roupa, fazer a faxina, tirar o colchão. Esse torneio foi mais do que brincar, foi existir e registrar com fotos que a gente ainda é gente”.
O que as internas expressam nos depoimentos é confirmado por quem acompanha, dia após dia, a comunidade portões adentro. Policial penal e psicóloga, Patrícia Gabriela Magalhães ressalta o quanto as atividades assim provocam mudanças.
“Antes, elas eram excluídas até aqui dentro. Esse evento quebra barreiras, elas voltam a ser vistas como indivíduos. Quando me chamam de mãe, eu entendo: é o acolhimento, o afeto, é saber que elas não são o crime que cometeram. São gente e gente com possibilidade de mudança”, acredita.


Coordenadora do CEC LGBTQIA+, vinculado à Subsecretaria de Políticas Públicas para População LGBTQIA+, Gaby Antonietta, explica que o torneio chega na terceira edição justamente porque o Governo do Estado enxerga o esporte como ferramenta de dignidade.
“A gente não quer mais ver nossos corpos apenas nos dados de violência. Nós também somos amor, sonho e responsabilidade. E o esporte é um bom pretexto pra tudo isso vir à tona”, afirma.
Entre personagens que estão do lado de dentro e figuras que ocupam cargos do lado de fora, o que tocou mesmo a todos os presentes foi saber que uma das visitas já esteve custodiada.
Emanuelle Fernandes viveu 33 dias no Instituto Penal de Campo Grande, em 2017. Ao relembrar o passado, Manu – como é carinhosamente chamada – cita que era uma das poucas a receber visita de familiares.
“Estar aqui de novo, agora do lado de fora, é quase surreal. Esses muros criam outro mundo. E pra quem é LGBT, é ainda mais difícil. Quando vem um evento como esse, ele vira um respiro. Um lembrete de que existe um mundo possível.”
Na despedida, a técnica da Subsecretaria de Políticas Públicas para População LGBTQIA, mulher trans e atleta de vôlei, Mikaella Lima, deixou claro que este seria um ‘até breve’.
“Espero encontrar vocês lá fora, seja jogando, seja lutando por políticas públicas. O que vocês vivem hoje é momentâneo. Lá fora tem outras possibilidades. E a educação é o caminho. Não deixem de estudar, de sonhar”.
Orgulho

O Torneio foi realizado no mês de Junho em comemoração ao dia 28/6, data em que se celebra, internacionalmente, o Orgulho LGBTQIA como reconhecimento histórico da Revolta de Stonewall, quando clientes do bar ‘Stonewall Inn’, saíram às ruas em protesto à repressão policial, na década de 1960, em Nova Iorque.
As relações homossexuais eram criminalizadas, e o bar frequentemente sofria com batidas policiais carregadas de violência. No entanto, a reação dos clientes no dia 28 de junho de 1969 mudou para sempre a história dos movimentos pelos direitos da população LGBTQIA+.
Paula Maciulevicius, da Comunicação da Cidadania
Fotos: Matheus Carvalho/SEC