De operadora de caixa a supervisora: Ryanna é a cara da transformação que a nova cartilha quer multiplicar
Compartilhar:
Publicado em 30 jul 2025
•
por Paula Maciulevicius de Oliveira Brasil •
Nos olhos, um delineado rosa perfeito e um batom vermelho de quem sabe onde quer chegar. Devidamente uniformizada e de crachá, Ryanna entra no auditório da PGJ (Procuradoria-Geral de Justiça) como plateia de um evento onde ela é a protagonista: o lançamento da cartilha Inclusão e TRANSformação.
O material informativo é fruto da parceria entre o Núcleo da Cidadania do Ministério Público de Mato Grosso do Sul e a Secretaria de Estado da Cidadania, por meio da Subsecretaria de Políticas Públicas para a População LGBTQIA+. Mais do que um documento, cartilha é um guia prático que orienta empresas e gestores na construção de ambientes corporativos mais diversos, respeitosos e inclusivos. Como aquele que Ryanna encontrou anos atrás, e onde vem crescendo.
“Para a gente chegar ao mercado de trabalho é sempre um desafio, porque tem aquela questão, será que eles vão aceitar a gente? Como será que vai ser o local e os colegas de trabalho? É sempre um desafio dentro de nós mesmas, com a questão de discriminação, de preconceito. E é onde a gente tem, justamente, que quebrar esse tabu”, reflete.
Na mesa durante o evento, Ryanna (última pessoa à direita), compartilhou sua trajetória profissional. (Foto: Arquivo Pessoal)
Registrada como operadora de caixa, Ryanna Karlla Nunes Bezerra tem 23 anos, e já está prestes a mudar de posição. Recentemente assumiu um cargo de liderança como supervisora do cartão de crédito oferecido pela rede, promoção que ela se orgulha muito de ter conquistado. “Eles confiaram em mim, e eu estou subindo agora”, comemora.
Com a cartilha em mãos, ela — uma mulher trans — enxerga, nas páginas, não apenas conteúdo, mas portas se abrindo. Não as das ruas, onde tantas são empurradas, mas as de empresas que finalmente começam a acolher.
“Muitas das pessoas trans que não conseguem o emprego em um local de trabalho, estão na rua. Eu tive sorte, e agora quero que as pessoas vejam que onde eu estou chegando, elas também podem chegar. A cartilha é uma forma de mostrar que as coisas estão mudando, que a mente do ser humano está se abrindo, e de também abrir os olhos das pessoas trans que têm aquele receio de entrar no mercado de trabalho. É uma forma de elas serem vistas também e de se inspirar”, narra Ryanna.
Cartilha foi iniciativa do Núcleo da Cidadania do Ministério Público junto à SEC. (Foto: Paula Maciulevicius/SEC)
Cidadania em prática
Segundo a cartilha, mais de 90% das pessoas trans estão fora do mercado formal e a expectativa de vida dessa população no Brasil é de apenas 35 anos. O material propõe ações concretas, como políticas de não discriminação, qualificação profissional e uso do nome social, além de mostrar que a inclusão é responsabilidade de todos.
Voltada a contratantes, líderes empresariais, gestores de RH e recrutadores, a cartilha atua como um guia prático de boas práticas inclusivas, trazendo conceitos fundamentais sobre identidade de gênero, o direito ao uso do nome social e a importância de respeitar a diversidade no ambiente corporativo. Ao esclarecer quem são as pessoas LGBTQIAPN+ e promover o entendimento sobre diferentes expressões de gênero e sexualidade, o material incentiva a construção de espaços de trabalho mais acolhedores, equitativos e respeitosos.
Durante o lançamento do material, ocorrido nessa segunda-feira (28), o subsecretário de Políticas Públicas para a População LGBTQIA+, Vagner Campos, destacou o compromisso do Estado.
“A empregabilidade das pessoas trans é uma questão urgente. A cartilha é uma ferramenta concreta para mudar essa realidade. Em nome da Secretaria de Estado da Cidadania e da secretária Viviane Luiza, reforçamos: contem conosco para seguir avançando na construção de políticas públicas que incluam, respeitem e transformem.”
O procurador-geral de Justiça de MS, Romão Ávila Milian Júnior, falou sobre o papel das instituições públicas na garantia da dignidade. “Nada melhor do que o trabalho para assegurar a dignidade da pessoa humana. Sem trabalho, ninguém tem dignidade. Por isso, o Ministério Público se une a essa causa, de portas abertas para transformar o status quo.”
Travesti, Bel Silva é vice-presidenta do Conselho Estadual LGBTQIA+ e servidora pública concursada. (Foto: Paula Maciulevicius/SEC)
Em sua fala, a vice-presidenta do Conselho Estadual LGBTQIA+, Bel Silva, fez questão de enfatizar que sempre, ao se referir às mulheres trans e travestis, o uso correto dos pronomes são “ela e dela”, em casos de ser homem trans são “ele e dele”, e ao se referir a pessoas não-binárias, a linguagem inclusiva é sempre o uso do pronome neutro.
Servidora pública concursada, Bel Silva é assistente social de formação e trouxe reflexões acerca da empregabilidade enquanto uma travesti. Vestida com uma camiseta que trazia os dizeres “aplaudida no evento, mas adoecida no trabalho”, Bel reforçou o quanto a iniciativa da cartilha é fundamental.
“Quando uma pessoa trans está desempregada ou em condições precárias, ela adoece. Trabalho é um determinante social de saúde. A cartilha chega para enfrentar essa realidade e abrir espaços de escuta e ação, especialmente neste ano de conferências sobre saúde e direitos humanos.”